O inventário da Alma

A Parashá Pekudê encerra o livro de Shemot (Êxodo) trazendo um aspecto aparentemente técnico, mas profundamente espiritual: a contabilidade detalhada dos metais preciosos doados para o Mishkan — ouro, prata, bronze — bem como de todos os utensílios e serviços realizados.

“Estas são as contas do Mishkan, o Mishkan do Testemunho…”
(Êxodo 38:21)

O Midrash (Shemot Rabbah 51:3) comenta que Moshê fez essa contabilidade pública para que ninguém suspeitasse dele, ensinando que líderes verdadeiros devem prestar contas transparentemente ao povo. Mas o ensinamento não para aí. Como ensina o livro No Jardim da Torá, esse processo carrega uma poderosa lição para o nosso serviço pessoal a D’us:

Primeiro foi feito um inventário dos recursos disponíveis, e depois uma análise de como eles foram utilizados.
Assim também o ser humano deve fazer:
• Conhecer-se.
• Reconhecer seus dons e recursos.
• Avaliar-se, de tempos em tempos, como tem usado esses talentos.

Essa postura do povo só foi possível graças ao tipo de liderança que Moshê Rabeinu representava. O Zohar (Vol. 2, 222a) explica que Moshê era chamado de Ra’aya Meheimna – o Pastor Fiel, mas o termo também pode ser lido como “o pastor que gera emuná” nos outros. Ele não apenas conduzia o povo, ele os capacitava a crer em si mesmos e em sua missão divina.

Como diz um trecho citado frequentemente entre os chassidim:

“Moshê é aquele que desperta a centelha de Moshê que há em cada judeu.”
(Likutei Sichot, Lubavitcher Rebe)

A liderança de Moshê é descrita pela sabedoria judaica como uma que não anula os indivíduos, mas os desperta. Ele via cada pessoa com olhos espirituais e sabia que dentro de cada um havia um dom que podia e devia ser revelado. Essa liderança:

  • Estimula o potencial intrínseco de cada indivíduo;

  • Encoraja a interação sinérgica entre eles;

  • Cria uma geração que não depende do líder para tudo, mas caminha com consciência e propósito.

O conceito de “inventário” não é apenas físico. O Tanya (cap. 29) ensina que o judeu deve fazer constantemente um “cheshbon hanefesh” — um balanço da alma, avaliando suas ações, intenções e progresso espiritual.

Assim como no Mishkan foi necessário primeiro contar o que havia para depois utilizar de forma santa, também nós devemos reconhecer os dons que recebemos de D’us antes de poder usá-los com consciência e propósito.

“Quem é sábio? Aquele que reconhece seu lugar.”
(Pirkei Avot 6:6)

Essa sabedoria de reconhecer o próprio lugar inclui entender onde estou, o que carrego comigo, e como isso se conecta com o plano Divino.

Ao fim do processo, o resultado do trabalho coletivo — conduzido por Moshê, mas realizado com a participação ativa de todo o povo — foi a presença de D’us repousando no meio deles:

“E a glória de Hashem encheu o Mishkan.”
(Êxodo 40:34)

Isso nos ensina que quando cada indivíduo contribui com seu melhor, com pureza e consciência, o Divino habita entre nós.

A Parashá Pekudê e a figura de Moshê Rabeinu nos ensinam que liderança verdadeira não é sobre controle, mas sobre despertar o potencial do outro. Não é sobre carregar o povo nas costas, mas fazer com que cada um caminhe com suas próprias pernas, consciente de seus dons e disposto a usá-los em benefício coletivo.

Esse é o verdadeiro Mishkan: não apenas uma estrutura física, mas uma sociedade de almas despertas, conectadas e comprometidas com um propósito maior.

 

 

( D’vorah Anavá)

Search

Categorias

Cultura judaica

Artigos relacionados

Nosso endereço

Rua Ametista 40 —
Jardim dos Camargos – Barueri
São Paulo – SP

secretariado@
sinagogaemunahshlemah.com.br

+55 11 9 1760-0104

© 2025 Sinagoga Emunah Shlemah. Todos os direitos reservados.