Os ensinamentos místicos têm sido uma parte fundamental da tradição judaica desde os tempos de Moshê Rabeinu. Eles foram transmitidos oralmente, de geração em geração, desde Yehoshua até os Profetas e os Homens da Grande Assembleia, atravessando os períodos da Mishná e do Talmud. No entanto, devido à sua natureza esotérica, esses ensinamentos eram restritos a um seleto grupo de estudiosos. A Mishná (Chaguigá 2:1) estabelece claramente que temas como a “Obra da Criação” e a “Carruagem Divina” só podem ser ensinados a discípulos preparados e dignos. A Guemará (Chaguigá 13a) reforça essa limitação, permitindo apenas um conhecimento básico aos alunos mais avançados.
O Zohar, texto central da Cabalá, emerge desse rico contexto de transmissão mística. Tradicionalmente atribuído a Rabi Shimon bar Yochai (Rashbi), um dos maiores sábios da Torá Oral, o Zohar apresenta profundas interpretações místicas da Torá, explorando os segredos da criação, da alma e das relações entre o divino e o humano. Segundo a tradição, parte do Zohar foi escrita pelo discípulo Rabi Abba, sob orientação de Rashbi, enquanto este estava escondido em uma caverna para escapar da perseguição romana.
Contudo, a forma como o Zohar chegou até nós envolve um enigma histórico. Os manuscritos foram revelados publicamente apenas no século XIII por Moshe de Leon, um cabalista espanhol. Ele começou a disseminar o texto em Castela, afirmando que se tratava de manuscritos antigos de Rashbi. Entretanto, após a morte de Moshe de Leon, surgiram dúvidas sobre a autenticidade desses escritos.
A Investigação de Yitzchak de Acco
Rabino Yitzchak de Acco, um renomado cabalista e discípulo do Ramban (Rabi Moshe ben Nachman), investigou as origens do Zohar. Ele entrevistou a viúva de Moshe de Leon e outros contemporâneos, coletando relatos conflitantes. Alguns afirmavam que Moshe de Leon compôs o Zohar, utilizando seu vasto conhecimento místico para criar uma obra extraordinária. Outros sustentavam que ele realmente possuía os manuscritos de Rashbi, mas os manteve ocultos, realizando cópias para distribuição.
Curiosamente, um discípulo próximo de Moshe de Leon, chamado Rabi Yaakov, testemunhou sob juramento que o Zohar era autêntico e originário de Rashbi. Além disso, o relato de Rabi Yosef HaLevi, que testou a habilidade de Moshe de Leon ao pedir cópias exatas de trechos “perdidos” do Zohar, sugere que Moshe tinha acesso a um texto original.
O Debate Acadêmico Moderno
Nos séculos seguintes, a autoria do Zohar tornou-se um tema de intenso debate. Acadêmicos modernos apontam para evidências linguísticas e históricas que situam o Zohar na Idade Média, como o uso de terminologia e referências geográficas que só surgiram nesse período. Essa análise levou muitos a concluir que Moshe de Leon pode ter sido o autor do Zohar, atribuindo-o a Rashbi para dar legitimidade ao texto.
Por outro lado, cabalistas tradicionais defendem que o Zohar preserva os ensinamentos de Rashbi e seus discípulos, transmitidos oralmente ao longo de gerações e, posteriormente, compilados por Moshe de Leon. Essa visão é reforçada por trechos do próprio Zohar que mencionam os esforços de Rashbi para registrar seus ensinamentos antes de sua morte.
O Legado do Zohar
Independentemente de sua autoria, o Zohar permanece como uma obra central da mística judaica. Ele influenciou profundamente gerações de estudiosos, sendo amplamente estudado por cabalistas e incorporado à espiritualidade judaica. Seu conteúdo revela uma visão única da Torá, abordando os segredos da criação, a interação entre o divino e o humano e o propósito da existência.
Moshe de Leon, seja como autor ou compilador, desempenhou um papel crucial ao trazer à luz esses ensinamentos. Sua dedicação à Cabalá garantiu que o Zohar se tornasse acessível, permitindo que as gerações futuras mergulhassem nas profundezas do misticismo judaico e encontrassem inspiração em seus textos.